The Last of Us: Como os fungos atuam no nosso sistema nervoso

Friday, 31 de March de 2023
 
    "The Last of Us" é um jogo eletrônico de ação-aventura e sobrevivência desenvolvido pela Naughty Dog e lançado em 2013 que ganhou bastante popularidade ao ponto de se tornar uma nova série da HBO Max lançada neste ano de 2023 (Veja o trailer abaixo). A história se passa em um mundo pós-apocalíptico onde a maioria da população humana foi infectada por um fungo chamado Cordyceps, que transforma as pessoas em criaturas hostis conhecidas como infectados (imagem abaixo). O protagonista, Joel, um sobrevivente que se une a Ellie, uma adolescente imune ao fungo, em uma jornada perigosa para encontrar uma possível cura para a infecção. Na série é retratado que o Cordyceps é um fungo parasita que infecta principalmente insetos, mas que evoluiu para infectar humanos. Na história do jogo, o fungo se espalha rapidamente e é altamente contagioso, causando a morte da maioria da população humana. Os infectados apresentam diferentes estágios de infecção, com os estágios avançados se tornando seres mais agressivos e violentos. A principal forma de combate ao fungo é através do uso de armas improvisadas e itens de sobrevivência. Mas será que realmente os fungos podem afetar e controlar nosso sistema nervoso involuntariamente ou é algo que permeia apenas o mundo da ficção de "The Last of Us"? É isso que vamos discutir aqui!



 
    Existem alguns fungos que são capazes de afetar o sistema nervoso de animais e humanos, como é o caso do fungo Ophiocordyceps unilateralis, que afeta formigas, e do fungo Claviceps purpurea, que afeta o trigo e pode causar intoxicação em humanos. Ambos os fungos produzem substâncias químicas que afetam o sistema nervoso de seus hospedeiros, causando comportamentos anormais e até mesmo a morte. O Ophiocordyceps unilateralis (imagem ao lado) )é um fungo que infecta formigas tropicais da espécie Camponotus leonardi. Quando uma formiga é infectada, o fungo cresce dentro de seu corpo, atingindo o cérebro e o sistema nervoso central. O fungo é capaz de controlar o comportamento da formiga, fazendo com que ela abandone sua colônia e suba em uma folha ou galho de uma planta. A formiga então morre e o fungo cresce a partir de seu corpo, liberando esporos que infectam outras formigas. Estudos mostraram que o fungo produz substâncias químicas que afetam o comportamento da formiga, como o aumento dos níveis de dopamina, o que pode levar a um comportamento impulsivo e arriscado. Já o Claviceps purpurea é um fungo que infecta o trigo e outros cereais, produzindo uma substância química chamada ergotamina. Quando consumido por humanos, a ergotamina pode causar a doença conhecida como ergotismo, que pode afetar o sistema nervoso e causar alucinações, convulsões e outros sintomas. A ergotamina é um alcalóide que age como um agonista dos receptores de serotonina, afetando o funcionamento do sistema nervoso central. 


     Apesar desses efeitos negativos, outros tipos de fungos podem possuir efeito pró-cognitivo quando utilizados em dose corretas, como é o caso dos famosos cogumelos Amanita muscaria alucinógenos, que possuem uma substância responsável por esse efeito, a psilocibina. Trabalhos mostram que a psilocibina apresenta uma resposta antidepressiva rápida, e sustentada, que pode ser correlacionada com diminuições na modularidade da rede cerebral de Ressonância magnética funcional (fMRI), o que implica que a ação antidepressiva da psilocibina pode depender de um aumento global na integração da rede cerebral. Além disso, após algumas análises de cartografia de rede indicaram que as redes funcionais de ordem superior ricas em receptores 5-HT2A tornaram-se mais interconectadas funcionalmente e flexíveis após o tratamento com psilocibina podendo promover aumentos globais na integração da rede cerebral. Outro tipo de droga bastante conhecida que é um composto psicodélico derivado do fungo Claviceps purpurea, o LSD, também se mostrou também como um potencial no tratamento da depressão quando utilizado em microdoses. Mas quando falamos de humanos sendo hospedeiros de fungos que podem controlar nosso sistema nervoso a ponto de nos transformar em zumbi, isso não é possível e é pouco provável de acontecer um dia, então fique tranquilo! Seria necessário uma grande adaptação evolutiva para o fungo chegar a infectar o sistema nervoso de qualquer animal de sangue quente. Uma espécie de fungo teria que evoluir especificamente para causar tal dano em outra espécie também específica,ou seja, cepas únicas têm pouco efeito em um organismo, exceto naquele que evoluíram para infectar. Se infectar uma espécie de formiga é difícil, acontecer o mesmo em humanos é definitivamente ficção científica. 
 
     Esses exemplos demonstram como os fungos são capazes de afetar o sistema nervoso de seus hospedeiros, controlando seu comportamento e causando sintomas anormais. A pesquisa nessa área pode ajudar a entender melhor os mecanismos de ação desses fungos e desenvolver novas formas de tratamento para doenças relacionadas ao sistema nervoso. 




Referências:
 
Liokaftos, Dimitrios. "Sociological investigations of human enhancement drugs: The case of microdosing psychedelics." International Journal of Drug Policy 95 (2021): 103099.
 
Beaton, Blake, et al. "Accounting for Microdosing Classic Psychedelics." Journal of Drug Issues 50.1 (2020): 3-14.
  
Lea, Toby, et al. "Microdosing psychedelics: motivations, subjective effects and harm reduction." International Journal of Drug Policy 75 (2020): 102600.
 
 Lu, Kelong, et al. "The hyper-brain neural couplings distinguishing high-creative group dynamics: an fNIRS hyperscanning study." Cerebral Cortex (2022).


Hofmann, A., & Tscherter, H. (2008). Ergot alkaloids and their derivatives as ligands for serotoninergic, dopaminergic, and adrenergic receptors. In Handbook of Natural Toxins: Toxicology of Plant and Fungal Compounds (pp. 315-345). CRC Press.
 
Kaldi, K., & Szathmáry, E. (2010). The biology of fungal pathogens and its relation to human health: a review of recent advances. Acta Microbiologica et Immunologica Hungarica, 57(2), 149-164.
 
https://www.hbo.com/the-last-of-us
 

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Autor:

Rodrigo Oliveira

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