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Desespero, fraqueza, vulnerabilidade - essas coisas sempre serão exploradas. Você precisa proteger os fracos, cercá-los, com algo muito mais forte que a empatia.
- Zadie Smith
Recentemente muitas pessoas vieram até mim devido a uma de minhas publicações sobre neurotecnologias aplicadas a indústria militar. O centro da dúvida era, como nos defendemos das fakenews? E é sobre isso o tema de hoje, neurosegurança pessoal.
Um magnata da tecnologia, Elon Musk, no lançamento da nova empresa Neuralink, que era possível acompanhar através do youtube demonstra qual a estratégia de conectar humanos e computadores para um nova geração de tecnologias de ponta que extrapole ou corrija a cognição humana;
Entre comentários dos internautas, argumentos como “o tempo de hacker computadores acabou, agora são as mentes das pessoas” ou :
"Você sabe o quão grande é a violação de privacidade, isso pode ler a mente de uma pessoa e poderia ser explorado para o abuso"
eram bem comuns.
No entanto a grande questão, isto é verdade? Somos uma caixa preta imune a sabotagens e controle sem estas ultra-neuro-tecnologias?
Isso não é verdade e a utilização de fakenews é a extrapolação máxima de como nossa mente é tão frágil de ser hackeada quando entendemos o funcionamento do seu sistema.
“Nunca achei difícil hackear a maioria das pessoas. Se você escutá-los, observá-los, suas vulnerabilidades são como um sinal de néon cravado em suas cabeças.”
- Mr. Robot
Desta forma nunca foi tão importante entendermos sobre neurosegurança até mesmo para aplicação de crescimento pessoal.
A neurosegurança é uma contra-partida para neuroarmas (que exploram as vulnerabilidades humanas), nesta caixinha dever-se-á encontrar qualquer prática e tecnologia que conceda autonomia sobre sua mente sendo capaz de identificar invasores, influências e submissões, estabelecendo defesas para poder ter a capacidade de escolha consciente.
A nossa mente é um grande centro de informação e não é necessário um hardware físico interferindo ou invadindo seu cérebro para que ações, pensamentos e conceitos que vão contra a sua “liberdade de escolha” sejam implementados.
Um experimento muito interessante é a inserção de memórias falsas em pessoas, que inclusive foi tema para um documentário (Memory Hackers). O modo de conduzir é muito simples, por uma serie de táticas que misture contextos reais do passado com pequenas implementações falsas, a combinação chega a um ponto em que a vítima não sabe mais distinguir o que é real das falsidades que você inseriu e tudo se torna verdade na memória da pessoa.
Este mundo das ideias, como diria platão, é um fluir. Quando falamos de fakenews e controle de massa a ancoragem destas abordagens são em fluxos passionais. Como explicado em blogs anteriormente, se várias vezes no dia seu sistema nervoso é nutrido com recrutamento de vias arcaicas de ódio, agressão e intolerância, sua capacidade de tomada de decisão lógica é reduzida e você fica mais suscetível não só a atos instintivos e passionais, mas mais aberto a recepção de novas informações que vão contra a lógica [12].
No entanto, nem tudo vem escancarado, na verdade “o demônio vem disfarçado de anjo”. Vamos entender por que meios deixamos as “portas neurais do pensamento” abertas ao crackeamento:
1. A ânsia pelo sentir e a curiosidade
Photo by AbsolutVision on Unsplash
Já se perguntou o que acontece com uma pessoa se de uma hora para outra ela perde todos os sentidos?
Na verdade, é possível verificar parte dessa experiência. Se colocarmos pessoas em ambientes de privação sensorial, em que sentidos como visão, audição, tato, tempo, gravidade e temperatura são ausentados, uma série de efeitos ricochetes acontecem.
Um dos efeitos emergentes é alucinação [1,2]. Apesar de a ciência ainda investigar a natureza da alucinação, podemos articular que a mente na escassez de estímulos sensoriais projeta do inconsciente efeitos que não existem no ambiente para suprir a necessidade de processar informação [3-4].
Isto porque a mente é um biocomputador feito para isso, para realizar cognição, para sentir...na ausência do sentir, ela cria.
Temos assim enraizado em nosso comportamento a busca por estímulos constantes e tudo isso agrava em uma era da informação como a nossa. Absorver mais informação não quer dizer que irá agregar valor e a curiosidade por mergulhar nas atualidades do momento pode ser nocivo a saúde mental.
Photo by John Schnobrich on Unsplash
Para se inteirar de temas condicionados a massa demanda uma energia cognitiva imensa do humano, para que seja avaliada inteligentemente é necessário ir em busca dos lados da história, cruzar com seus conhecimentos prévios, procurar entender o que os pensadores dos lados do tema estão dizendo e aí sim assumir uma posição sobre as informações.
Acontece que isso não é um trabalho trivial, demanda muito tempo e seria ilusório acreditar que alguém tem uma opinião sobre todos os assuntos, alguns deles certamente foram controlados por algum pensamento condicionado, uma informação simplificada que não tinha comprometimento com a veracidade.
Todo este processo de busca é cognitivamente desgastante, porque seu intelecto já terá uma tendência a assumir uma verdade e, olhar para o lado da informação que não vai de acordo com a sua lógica, cansa. As vezes são necessárias horas ou dias para entender uma informação corretamente e não apenas minutos em uma notícia de cabeçote.
Outro agravante é que humanos tem um limite para tomadas de decisões no dia, quanto mais tempo transcorre mais suas decisões no final do dia são tomadas pela emoção em contrapartida da lógica [5]. Em termos de informações podemos articular que não é aconselhado absorver novas informações ao final do seu dia ativo.
Então a primeiro lição que levamos para casa é que você não precisa saber de tudo, você não precisa ter uma opinião sobre todos os aspectos e mesmo assim vai estar tudo bem, isso é saudável para sua mente não ser reféns de informações que podem escravizar seu comportamento.
Saiba focar, informações que são necessárias para o seu viver, para seu propósito e informações que devem ser evitadas para sua segurança mental.
2. Empatia
Photo by Andre Mouton on Unsplash
Em uma era globalizada, o respeito a diversidade é um assunto recorrente. A prática da empatia em nossa geração é extremamente recomendada e adotada. No entanto devemos ficar alerta, porque tudo em excesso é prejudicial, o segredo reside no equilíbrio.
Empatia é um processo importante para formação de sociedades, entendimento do outro, estratégias de liderança e transcendência da consciência.
No blog sobre espiritualidade e religiosidade a importância dessa cognição é mais explorada para interessados.
Na ocasião vamos para o sentido oposto da cultura geracional, você já se perguntou se a empatia é capaz de ser maléfica a saúde mental?
Não vamos entrar em detalhes sobre os dois tipos de empatia, (a afetiva e a cognitiva) para não nos estendermos, mas ambas se aplicam.
“Empatia é o compartilhamento do estado mental de outra pessoa e de suas emoções ... também pode ser uma emoção "negativa" ou até mesmo coerciva, porque é eticamente neutra”
- Danny Penman Ph.D [6]
Existe uma técnica para contar estórias chamada “A jornada do herói (monomito)”. São várias etapas que um escritor/contador/articulador segue para criar estórias imersivas em que o usuário tem a tendência a se projetar e se sentir parte do processo, principalmente porque este tipo de técnica abusa-se da capacidade dos seres humanos de sentirem empatia.
“Dizem que o que procuramos é um sentido para a vida. Penso que o que procuramos são experiências que nos façam sentir que estamos vivos.”
- Joseph Campbell
Empreendedores quando vão vender sua ideia de startup, buscar investimentos ou até mesmo vender um produto, eles utilizam partes da técnica monomito. Eles criam uma estória fictícia ou parcialmente verdadeira (fakenews?) e embutem nela uma problematização relacionada com sua solução. A priori a intenção é que o publico dirigido entenda o contexto, sinta as angústias, se emocionem e então, desprovidos da avaliação lógica, ocorra o imprinting com a solução.
Qualquer mindcracking não é diferente. Seja qual for a ideia que se deseja ser inserida na sua mente, os caminhos básicos é tirar sua capacidade lógica, fazer com que você trabalhe em tomadas de decisões emocionais e crackear sua capacidade de distinguir o que é real do irreal.
Photo by Christophe Hautier on Unsplash
“Qual é o parasita mais resistente? Bactérias? Um vírus? Um verme intestinal? Vou te dizer, uma ideia. Resiliente ... altamente contagiosa. Depois que uma ideia toma conta do cérebro, é quase impossível erradicar.”
- Inception
No entanto a solução não é não sentir empatia, senão você entrará em estados de psicose e psicopatia, a ausência da empatia é também ruim, inclusive para lideranças. Psicopatas possuem suas vias de empatia inibidas e isto acarreta vários efeitos colaterais para convivência em sociedade, mais sobre como a ausência da empatia tem efeitos colaterais pode ser encontrado no blog sobre psicopatas.
Pessoas religiosas culturalmente podem possuir a cognição empática mais desenvolvidas em seus cérebros, portanto devem ser cautelosos com o sentir, entender melhor como as informações do mundo agem sobre seu intelecto e trabalhar para saber conduzir a empatia em momentos corretos para não sentir em excesso.
Portanto a segunda lição de casa é ter a consciência, perceber que empatia é nivelada em diferentes momentos do seu dia ou das estórias você é exposto. Entenda essa cognição e sensação humana, flutuando em um espectro bipolarizado entre ego e diluição do ego, aprenda condiciona-la ou regulá-la nos momentos corretos. Tome cuidado com as estórias que é exposto, lembre que exercem poder sobre você.
3. Efeito Dunning-Kruger
É dado o nome de Efeito Dunning-Kruger (EDK) para o fenômeno de superioridade ilusória dos humanos. Resumidamente é a sensação e ação de acreditar que sabe mais que os outros, mesmo possuindo pouco conhecimento, ou dispõem a melhor intuição para respostas do que os profissionais mais preparados.
O EDK é atracado com discursos de ódio e pensamento polarizado. Pensamento polarizado é uma extrema simplificação da realidade e é considerado uma distorção cognitiva [7]. Discursos de ódio endomonizam caminhos, pensamentos ou lados de um tema, enraizando-o na raiva, na fúria e na repugnância levantando muros para a busca do entendimento holístico, “imparcial” ou pelo menos equilibrado.
Não esqueçam: “Demônios” habitam dentro de nós.
Para alcançar a desconstrução é necessário buscá-los. Quando sensações de ódio, agressão e intolerância emergem, fique atento, são sinais que aspectos mentais devem ser trabalhados ou foram crackeados.
“Os seres humanos entendem a linguagem ativando sistemas sensoriais, motores e emocionais no cérebro ... apenas ler palavras na tela ou ouvir um podcast ativa áreas do cérebro de maneira semelhante à atividade gerada por estar literalmente na situação que a linguagem descreve. Esse processo facilita ainda mais a transformação de palavras em ações.” [8]
Na neurociência possuí uma teoria chamada de “teoria da simulação” que propõe que o processamento de palavras depende da atividade neural, do comportamento da ação, da percepção e emoção. Perceber as palavras conduz sistemas neurais a estados idênticos do que elas evocam no ser humano.
Assim uma tática de crackeamento é conduzir, articular discursos que se agreguem em incrementos palavras coercivas para que uma realidade simplificada seja aceita e a pessoa entre em um looping de EDK em que qualquer informação que evoque a repugnância seja aceita como verdade sem te dar oportunidade de pensar racionalmente sobre o assunto. Este pode inicialmente vir acompanhado de uma proposta altruísta até se tornar um discurso de ódio.
Imagine a situação hipotética:
“Crianças estão morrendo de fome (processo de empatia começa). Quando entrevistei uma, ela disse que o sonho dela era ter um banquete de pão recheado com muçarela e presunto acompanhado com um suco (comparação com a sua realidade acontece). Que sociedade de $%#& (discurso de ódio evocado) é essa que humilha, criminaliza e escraviza nossas crianças. Isso é culpa da empresa/das pessoas/ do sistema X (culpabilização e simplificação da realidade para atracar EDK) que gera esse @@ de sociedade.”
No exemplo acima, por um processo altruísta, você é colocado em um looping ilusório de superioridade que irá dificultar seu processo de emancipação da informação para tentar entender qual é o lado da empresa/pessoas/sistema envolvidos e tirar uma posição mais abrangente sobre o assunto. Uma vez nesse looping, não é preciso de muito para qualquer meia informação entre sem filtro.
“Por que não posso excluí-lo?
Não quero excluí-lo.
Eu quero que fique.
O que há de errado comigo? “ ~ coerção, coação, incapacidade ~
Logo a terceira e última lição deste blog é eximir do achar que sabe ou da evocação de repugnância no momento de avaliar.
Devem estar se perguntando, e as soluções?
A verdade é que não existe uma solução, mas várias e nem todas foram exploradas cientificamente. A essência que se deve manter em mente é que qualquer metodologia que te ajude a identificar suas oscilações de humor, envolvimento emocional, emancipação da sensação e retomada da lógica te empoderam de uma neurosegurança.
As primeiras abordagens a sugerir são práticas de mindfullness e técnicas alternativas de meditação (algumas meditações antigas possuem métodos diferentes de mindfullness).
Pessoas ansiosas ou imediatistas podem encontrar dificuldades em aprender estas técnicas.
Caso ainda esta aprendendo a meditar, lembre dessa situação:
- Passou na loja e o vendedor te mostrou aquela roupa que achou incrível, mas é caríssima. Não compre na hora, espere o êxtase acabar para poder assim analisar com coerência, com sua liberdade de escolha racional. Na pior das hipóteses, não faça uma tomada de decisão, espere o novo dia surgir.
A meditação mais simples consiste em direcionar sua atenção a respiração consciente. Regula-la para frequências mais lentas, abstraindo de pensamentos alternativos e focando apenas na regulação da inspiração e expiração. Este método tem o poder de controlar frequência cardíaca, a oxigenação no cérebro e regulação emocional[9-10].
Técnicas mais antigas ou avançadas de meditação te induzem a fazer uma abstração mental, simular sensações, ambientes e transcendências de estados da consciência sem estar em contato com tal contexto/condição.
Existe aquele estereótipo de que para meditar você precisa realizar algum som especifico, fechar os olhos ou ficar sentado em posições específicas. A verdade é que todos esses artifícios são dicas para um aprendizado mais rápido, porém uma vez que entende a mecânica dessas técnicas sobre o seu corpo, a meditação pode ocorrer no metro, de olhos abertos ou até mesmo no meio de uma conversa com uma pessoa. É neste ponto que essas abordagens ficam potentes para que sejam capazes de utiliza-las no momento importuno em que estados emocionais te dominam e abrem brecha para um neurohacking.
A evolução das tecnologias nos traz novos paradigmas, talvez no futuro neurosegurança seja uma daquelas coisas essenciais que todos deverão aprender para vida, assim como educação financeira, socialização, civilidade e etc.
Referências
[1] Graphical Illustration and Functional Neuroimaging of Visual Hallucinations during Prolonged Blindfolding: A Comparison to Visual Imagery, Ruxandra Sireteanu et al; 2008.[4] On the neurobiology of hallucinations, Boksa P; 2009.
[5] Do you Suffer from Decision Fatigue?, The New York Times Maganzine, John Tierney, 2011.
[6] Is Empathy Our Most Dangerous and Self-Indulgent Emotion?, Danny Penman; 2018.
[7] Polarized thinking cognitive distortion, exploring your mind; 2019.
[8] Hearing Hate Speech Primes the Brain For Hateful Actions, Arthur Glenberg ;2019.
[9] Meditation Affects Brain Networks Differently in Long Term Meditators and Novices, Marianne Spoon; 2018.
[10] How mindfulness meditation works — and changes the brain's architecture, Belinda Smith; 2019.
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