O que o neurônio Jennifer Aniston pode nos revelar sobre a Interface Cerebro Máquina?

Saturday, 09 de March de 2019
Você já ouviu falar sobre “o neurônio Jennifer Aniston”? Você sabia que existe um neurônio que dispara sempre quando visualizamos uma foto desta atriz?
 
Enquanto buscava descobrir as áreas do cérebro de um paciente que poderiam causar epilepsias, Quiroga e seus colaboradores, no ano de 2005, publicaram um artigo cujos resultados são bastante impressionantes: existe um neurônio que dispara sempre quando vemos uma foto de Jennifer Aniston, inclusive quando observamos um desenho à mão da atriz. Este mesmo neurônio não disparava com fotos de outras atrizes ou atores.
 
Para saber um pouco sobre e entender como o estudo foi realizado, precisamos introduzir o conceito de codificação neural, ou “neural coding” [1]. Este termo é utilizado no campo das neurociências para entender e caracterizar a relação entre um estímulo externo e as respostas neuronais, seja de um neurônio isolado ou de um conjunto de neurônios. Uma maneira de observar o processo de coding é através da criação de um gráfico do tipo raster plot após a repetição de um determinado estímulo. Por definição, é um tipo de gráfico que representa a ocorrência de disparos neuronais em relação ao tempo (Figura 1).

Figura 1 - Gráfico de Raster Plot ilustrando a taxa de disparo neuronal em um determinado tempo.



Ao buscar os focos epiléticos no paciente, Quiroga e seus colaboradores utilizaram um paradigma experimental bastante utilizado à época: a visualização de faces de humanos e locais turísticos. O registro eletrofisiológico foi realizado de forma contínua e após isto o dado foi segmentado com base no momento em que apareceram as faces e locais turísticos [2].
 
Um dos resultados que intrigou os pesquisadores na época foi a observação que um neurônio específico do hipocampo disparava sempre quando era exibido uma imagem da Jennifer Aniston (a atriz que fez a série Friends, lembra?). Agora que você já sabe o que é um gráfico do tipo raster plot, será possível entender este achado na Figura 2 abaixo.

Figura 2 - Gráficos de raster plot para cada imagem apresentada ao paciente. No destaque, em azul, vê-se a resposta neuronal para as faces da Jennifer Aniston.


Algumas hipóteses para tentar explicar este resultado foram postuladas pelo grupo e também por outros pesquisadores, como por exemplo a afirmativa que este neurônio responde aos círculos, semicírculos e disposição geométrica da distância entre os olhos, nariz e boca da atriz. Para testar esta afirmativa, o mesmo grupo de pesquisa descobriu outro neurônio, também no hipocampo, que respondia sempre que era exibido a face da atriz Halle Berry (famosa por interpretar a Mulher Gato). Eles descobriram que as afirmativas realizadas não eram suficientes para explicar, uma vez que este neurônio também respondia ao desenho feito a mão do rosto da atriz, a outra imagem dela com a máscara da mulher gato ou somente ao nome da atriz escrito na tela (Figura 3).


Figura 3 - Gráfico de raster plot ilustrando a taxa de disparo para diferentes faces de atrizes com desenhos feitos à mão e seus respectivos nomes.


Além destes resultados irem de encontro com a teoria do encoding, onde foi estabelecido uma relação entre o comportamento de um único neurônio com um estímulo externo, este estudo teve uma contribuição para uma área em ascensão até os dias atuais, a Interface Cérebro Máquina (ICM). Por definição, uma ICM é uma interface na qual um sinal biológico é registrado e analisado em tempo real para predizer ou realizar alguma função em um dispositivo externo ao corpo, podendo ser um braço robótico, um jogo em computador, uma cadeira de rodas, etc [3, 4, 5].


Apesar das ICM’s estarem sendo utilizadas há um certo tempo na pesquisa científica, existe uma lacuna em aberto: o feedback tátil para interfaces relacionadas ao controle motor de próteses ou exoesqueletos, por exemplo (Figura 4).


Figura 4 - Ilustração de uma ICM para controle de um braço robótico com feedback tátil no em S1.


A lacuna presentes nas ICM’s dependentes de estimulação tátil como feedback [6, 7] está intimamente ligado com os neurônios Jennifer Aniston e Halle Berry com a seguinte questão: qual o padrão de atividade de um grande conjunto de neurônios que responde a um determinado movimento no braço robótico? Para entender como ocorre esta dinâmica, introduzimos o conceito de “Neural Decoding”, ou codificação neural. O Decoding é o processo contrário ao Encoding, ou seja, é a interpretação do estímulo a partir da visualização do registro neuronal.
 
Sendo assim, antes de realizar uma ICM com feedback tátil, é necessário saber qual o padrão de atividade neural (decoding) para realização de cada movimento ou resposta do dispositivo para então “fechar o ciclo” da ICM com o feedback. O feedback sensorial ótimo tem sido objetivado há anos, uma vez que a grande maioria das ICM’s robóticas não são bem aceitas pelos pacientes, justamente pela dificuldade de feedback. Para saber qual o padrão de atividade e estabelecer o decoding, geralmente utiliza-se matrizes de microeletrodos para registrar as atividades dos neurônios do córtex S1 (Figura 5). Os microeletrodos podem ser confeccionados para atingir diferentes áreas do cérebro, desde regiões superficiais - como o córtex -, até regiões mais internas - como núcleos cerebrais.


Figura 5 - ABCD: Designs de eletrodos utilizados em eletrofisiologia. E. Heptodo desenvolvido pela Nevrotech para realização do Spike Sorting. F. Matriz de microeletrodos para registro ou estimulação cerebral.





Referêcias

[1] - Deliagina, T. G., Zelenin, P. V., & Orlovsky, G. N. (2002). Encoding and decoding of reticulospinal commands. Brain research reviews, 40(1-3), 166-177.

[2] - Quiroga, R. Q., Reddy, L., Kreiman, G., Koch, C., & Fried, I. (2005). Invariant visual representation by single neurons in the human brain. Nature, 435(7045), 1102.

[3] - Serruya, M. D., Hatsopoulos, N. G., Paninski, L., Fellows, M. R., & Donoghue, J. P. (2002). Brain-machine interface: Instant neural control of a movement signal. Nature, 416(6877), 141.

[4] - Andersen, R. A., Musallam, S., & Pesaran, B. (2004). Selecting the signals for a brain–machine interface. Current opinion in neurobiology, 14(6), 720-726.

[5] - Nicolelis, M. A. (2003). Brain–machine interfaces to restore motor function and probe neural circuits. Nature Reviews Neuroscience, 4(5), 417.

[6] - O’Doherty, J. E., Lebedev, M. A., Ifft, P. J., Zhuang, K. Z., Shokur, S., Bleuler, H., & Nicolelis, M. A. (2011). Active tactile exploration using a brain–machine–brain interface. Nature, 479(7372), 228.

[7] - Godlove, J. M., Whaite, E. O., & Batista, A. P. (2014). Comparing temporal aspects of visual, tactile, and microstimulation feedback for motor control. Journal of neural engineering, 11(4), 046025.



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Autor: Lucas Galdino Bandeira dos Santos
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