“Fake news” é uma palavra que ouvimos muito ultimamente, principalmente atrelada a discussões políticas e redes sociais. Mas fake news não se limita apenas a notícias falsas espalhadas pelas redes. Se a fake news existe, é por que existem pessoas que acreditam fielmente nessas notícias, mesmo se provando o contrário. Vai além de uma simples crença que pode ser desacreditada a qualquer momento por um fonte confiável, é algo maior que muda a concepção que considera verdades absolutas e consequentemente a percepção alterada dos fatos. Para isso, o corpo responde fisiologicamente de forma compensatória, tornando a crença naquele fato algo vantajoso e que para aquele indivíduo uma verdade absoluta difícil de ser desacreditada por alguma comprovação científica. Aqui, vamos discutir como o cérebro atua nesse sistema de recompensa por meio de crenças que muitas vezes encorajam o sistema de fake news.
O cérebro pode tornar fake news em uma verdade absoluta incontestável devido à natureza da memória humana e da forma como processamos informações. A memória é seletiva e pode ser moldada pela repetição, crenças pré-estabelecidas e emoções. Isso significa que tendemos a lembrar mais facilmente informações que confirmam nossas crenças e emoções, e dessa forma a cultura pode está atrelada com esse processo. De forma geral, a transmissão cultural produz confiavelmente a crença na moralização e isso está sujeito de acordo com o ambiente em que as pessoas estão inseridas. A mente preditiva do ser humano é altamente ajustada e, assim, acredita-se que a transmissão cultural cumpre esse papel de responsabilidades adaptativas. Quanto mais vezes vemos ou ouvimos algo, mais provável é que nossa memória o fixe. Isso significa que, quanto mais uma fake news é compartilhada, mais provável é que a pessoa se lembre dela como verdadeira. Muitas vezes a própria falta de comprovação por ausência de provas, é utilizada como justificativa para acreditar em inverdades. Além disso, nossas crenças e emoções podem influenciar a forma como processamos e armazenamos informações. Trabalhos mostram que as pessoas tendem a acreditar em informações que confirmam suas crenças e emoções, mesmo que essas informações sejam falsas. Isso é conhecido como viés de confirmação e pode levar ao fortalecimento de falsas crenças e ao descarte de informações que as contradizem.
Trabalhos mostram que também temos tendência em darmos mais peso às informações novas e inesperadas, independentemente de sua veracidade. Isso significa que uma fake news, especialmente se for nova e inesperada, pode ser mais propensa a ser acreditada como verdadeira. Isso se chama de viés da novidade, que se torna facilmente presente na atualidade, visto a facilidade e velocidade em que enviamos e recebemos informações nas redes sociais. Além disso, as informações emocionais têm mais impacto em nós do que as informações lógicas e racionais. Portanto, as fake news que têm um teor emocional forte tendem a ser compartilhadas com mais frequência do que aquelas que não têm. Isso se dá pelo fato de que informações que são emocionantes, surpreendentes ou confirmam nossas crenças são recompensadas por liberação de dopamina, importante neurotransmissor envolvido com nosso sistema de recompensa. O sistema de recompensa é responsável por motivar comportamentos que são benéficos para a sobrevivência e a reprodução e compreende estruturas do sistema límbico, relacionado às emoções e experiências prévias do indivíduo, que tem como principais áreas: hipocampo, hipotálamo e amígdala. Além disso, em situações prazerosas há ativação do giro do cíngulo, que é uma área capaz de gerar sensação de felicidade e aumento da atenção e como consequência, a ativação de memória é ativado por estímulos positivos, como comida, sexo e outros prazeres que liberam neurotransmissores, (como dopamina) que produzem sensações agradáveis. Dessa forma, a liberação da dopamina relacionada a propagação de fake news incentiva as pessoas a procurarem por mais informações similares e a compartilhá-las com outras pessoas. Quando as pessoas compartilham informações com outras pessoas, elas são reforçadas pela atenção e aprovação dos outros, o que aumenta a sensação de recompensa. Além disso, a repetição constante de informações falsas pode fortalecer as ligações neurais associadas a elas e, assim, aumentar a probabilidade de que sejam lembradas como verdadeiras. Estudos também mostraram que as pessoas tendem a ter crenças mais firmes em informações que são consistentes com suas crenças preexistentes. A religião, por exemplo, ativa as mesmas áreas cerebrais equivalete ao amor, sexo e drogas. Um estudo realizado com fMRI (Imagem ao lado) e jovens mórmons analisou o comportamento cerebral dos sujeitos após assistirem a vídeos com temáticas relacionadas à sua própria igreja,observando ativação de áreas como o núcleo accumbens, córtex pré frontal ventromedial, regiões relacionadas à atenção e prazer; sendo observada maior ativação no hemisfério direito. Outros trabalhos realizados com EEG encontraram evidências de que a exposição a notícias falsas pode alterar a atividade elétrica do cérebro na região frontal e temporal do cérebro, que é importante para a avaliação crítica, tomada de decisões e memória, além de afetar a forma como as informações são processadas e lembradas.
Portanto, a confirmação de nossas crenças por meio de informações falsas pode ser especialmente recompensadora. No contexto de redes sociais, é interessante desmistificar a ideia de Fake News associadas a mentiras, na verdade, elas podem ser consideradas uma espécie de “pseudoverdades” ou "pós-verdade". Ou seja, unir informações utilizadas em contextos diferentes e criar meias verdades com a função de influenciar a opinião dos outros, produzindo, muitas vezes, um discurso de ódio nas pessoas, possuindo um impacto negativo tanto a nível individual como social, influenciando outras esferas como até mesmo a política. A nível individual, quando modulamos nosso cérebro a agir dessa maneira influenciada pelas Fake News, é como se estivéssemos impedindo esse cérebro de funcionar por completo, ou seja, recrutando menos áreas para seu funcionamento. Dessa forma, é importante que mais trabalhos investiguem de como podemos minimizar os efeitos deletérios neurofisiológicos causados pela propagação de fake news a fim de reduzir seus impactos sociais e individuais.
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