Memória espacial e emoção: Como memórias de ambientes podem influenciar o sistema límbico.

Wednesday, 14 de June de 2023

    A memória é um processo cognitivo fundamental que nos permite codificar, armazenar e recuperar informações ao longo do tempo. Existem vários tipos de memória que desempenham papéis específicos no funcionamento cognitivo, uma delas é a memória espacial. A memória espacial desempenha um papel crucial em muitos aspectos da vida cotidiana, como a navegação, a orientação no espaço e a localização de objetos. Vários estudos têm explorado a interação entre esse tipo de memória e a emoção, mostrando como esses dois processos estão interconectados e podem influenciar um ao outro. Aqui, vamos discutir como o estado emocional pode interferir na memória espacial e vice versa.

    A memória espacial é uma forma específica de memória que está relacionada ao armazenamento de informações sobre a localização e o ambiente físico ao nosso redor. Ela nos permite navegar em espaços, lembrar a disposição de objetos, encontrar o caminho de volta a um lugar familiar e realizar tarefas que requerem orientação espacial. Ela está envolvida em tarefas como lembrar-se de onde você estacionou o carro, encontrar um determinado item em uma prateleira ou criar um mapa mental de um ambiente desconhecido. A memória espacial depende principalmente de células localizadas no hipocampo, córtex entorrinal (imagem ao lado) e de redes associadas, o que torna esse tipo de memória como ótimo modelo para a pesquisa translacional. No hipocampo, um grupo de células chamadas de “place cells” disparam em alta taxa sempre que um rato está em um local específico do ambiente, já no córtex entorrinal outro grupo de células denominadas de  como “grid cells” também apresentam a mesma resposta. Essas informações servem como base para a identificação de um "mapa espacial", que identifica grupos neuronais e áreas cerebrais que constituem um sistema de posicionamento fisiológico e a formação da memória espacial.



     Sabe-se que áreas relacionadas ao sistema límbico também podem atuar no processo de aprendizagem envolvendo qualquer tipo de memória, potencializando ou não a consolidação e evocação de memórias de acordo com as emoções envolvidas. Acontecimentos com forte carga afetiva são bem mais consolidados e lembrados que acontecimentos com menor carga afetiva. Isso se dá pelo maior recrutamento de áreas cerebrais envolvidas e pela atividade endócrina que pode ser associada a memórias afetivas. Em relação a memória espacial, ambientes podem nos trazer diversas cargas afetivas diferentes, ou o contrário também pode acontecer, podemos associar valores afetivos a diferentes ambientes dependendo do nosso estado emocional naquele momento em que estamos interagindo com aquele ambiente. Assim, acredita-se que a emoção pode afetar a formação e a consolidação da memória espacial, bem como a recuperação de informações espaciais. Da mesma forma, a memória espacial também pode influenciar a forma como processamos e respondemos emocionalmente a estímulos. Estruturas cerebrais auxiliam esse processo, como é o caso do sistema límbico, especialmente a amígdala, na modulação da memória espacial e da emoção. A amígdala desempenha um papel crucial no processamento emocional e também está envolvida na formação e consolidação da memória espacial. Estudos utilizando técnicas de neuroimagem, como ressonância magnética funcional (fMRI), têm demonstrado a ativação da amígdala durante tarefas que envolvem a memória espacial e a emoção. Além disso, outros trabalhos têm mostrado que a valência emocional dos estímulos pode influenciar a precisão e a eficiência da memória espacial. Por exemplo, estudos indicam que estímulos emocionalmente positivos tendem a ser lembrados com mais facilidade do que estímulos neutros ou negativos. Ambientes visualmente mais agradáveis, que podem gerar emoções mais positivas nas pessoas tendem a ser mais facilmente lembrados. É importante ressaltar que o contexto cultural/social é individual e pode influenciar nessa percepção ambiental, onde um mesmo ambiente pode ser considerado agradável ou não para cada pessoa. Essa preferência pela memorização de estímulos positivos pode ser explicada por mecanismos de reforço e aprendizado associativo. Apesar desse dado, ambientes aversivos ( que também possui carga emocional elevada) também favorecem a aprendizagem espacial além de causar respostas fisiológicas relacionadas ao estresse e ao medo, como pânico, ansiedade e depressão por exemplo.

   Outro aspecto importante a ser considerado é o efeito da emoção na atenção e na percepção espacial. A emoção pode modular a atenção direcionada a estímulos específicos no ambiente, o que, por sua vez, pode afetar a codificação e o armazenamento de informações espaciais. Trabalhos mostram que o processamento emocional prioriza a atenção para estímulos emocionais relevantes, ao mesmo tempo em que pode prejudicar a atenção para outros aspectos do ambiente. Se algo no ambiente for emocionalmente mais atrativo para você, sua atenção será direcionada facilitando a aprendizagem direcionada aquela dica espacial, como por exemplo um quadro que tem um valor afetivo para você.  
 
    Apesar de todos esses dados, novos  estudos dos mecanismos neurais subjacentes (EEG) à interação entre memória espacial e emoção são necessários. Técnicas como a estimulação magnética transcraniana (TMS) têm sido utilizadas para investigar como a estimulação de áreas cerebrais específicas pode modular a memória espacial e a resposta emocional. Por exemplo, pesquisas mostraram que a aplicação de TMS sobre o córtex pré-frontal dorsolateral (uma área envolvida na memória de trabalho e no processamento espacial) pode melhorar o desempenho em tarefas de memória espacial. Já outros estudos mostram  que a aplicação de TMS sobre a amígdala, uma região do cérebro envolvida no processamento emocional, tem sido explorada como uma maneira de influenciar a resposta emocional e a memória emocional. Talvez parâmetros inibitórios de TMS possam ajudar no processo de extinção de memórias traumáticas associadas a um ambiente, por exemplo.
 
 

Referências:
 
Stangl, Matthias, et al. "Sources of path integration error in young and aging humans." Nature communications 11.1 (2020):1-15.
 
Llana, Tania, et al. "Functional near-infrared spectroscopy in the neuropsychological assessment of spatial memory: A systematic review." Acta Psychologica 224 (2022): 103525.
 
Dolcos, F., & Denkova, E. (2019). Neural Correlates of Emotional Memories: A Review of Evidence from Brain Imaging Studies. Psychology of Learning and Motivation, 71, 51-85.
 
Baram, Tallie Z., Flavio Donato, and Gregory L. Holmes. "Construction and disruption of spatial memory networks during development." Learning & Memory 26.7 (2019): 206-218.
 
Nutma, E., et al. "Neuroimmunology–the past, present and future." Clinical & Experimental Immunology 197.3 (2019): 278-293.
 
Kurth, Florian, Nicolas Cherbuin, and Eileen Luders. "Promising links between meditation and reduced (brain) aging: an attempt to bridge some gaps between the alleged fountain of youth and the youth of the field." Frontiers in psychology 8 (2017): 860.
 
Murty, V. P., Ritchey, M., Adcock, R. A., & LaBar, K. S. (2010). fMRI studies of successful emotional memory encoding: a quantitative meta-analysis. Neuropsychologia, 48(12), 3459-3469.
 
Cunningham, C. L., Martinez, C., & VanMeter, J. W. (2019). The role of emotion in the neural mechanisms of episodic memory. Behavioural Brain Research, 372, 112042.
 
Talmi, D. (2013). Enhanced emotional memory: cognitive and neural mechanisms. Current Directions in Psychological Science, 22(6), 430-436.
 

The content published here is the exclusive responsibility of the authors.

Autor:

Rodrigo Oliveira

#eeglatam #tmseeg #brainstates #brain #functionalconnectivity #hippocampalnetwork #memoryconsolidation