A disseminação de fake news, ou notícias falsas, tem se tornado um desafio significativo em várias esferas da sociedade, incluindo o sistema educacional. A proliferação de informações enganosas e muitas vezes sensacionalistas pode impactar negativamente a formação dos estudantes, prejudicando o pensamento crítico, a compreensão precisa da realidade e a busca por conhecimento confiável. Aqui, vamos discutir um pouco da construção histórica da fake news e como isso pode influenciar na educação das próximas gerações a partir de conceitos neurocientíficos.
A prática de disseminar informações falsas remonta a tempos antigos. Desde a antiguidade, textos e relatos adulterados eram usados para influenciar opiniões e manipular eventos. A imprensa durante os séculos XVI e XVII já testemunhou a disseminação de rumores e boatos infundados, algo que acaba se repetindo nos dias atuais. A influência das fake news no sistema educacional historicamente resultou em equívocos, distorções e narrativas tendenciosas. A educação formal e a transmissão de conhecimento muitas vezes foram prejudicadas por informações incorretas ou deturpadas, dificultando o desenvolvimento de uma compreensão precisa dos eventos históricos e conceitos complexos. A ascensão da era digital trouxe uma nova dimensão à disseminação de fake news. Plataformas online ampliaram o alcance e a velocidade com que informações falsas são compartilhadas e isso afetou a qualidade do nosso conhecimento adquirido e aumentou os desafios enfrentados pela educação. Dessa forma, torna-se essencial compreender como as fake news afetam a percepção, a memória e o pensamento crítico dos indivíduos que se encontram em processo de aprendizagem e desenvolvimento de conceitos cognitivos pessoais e sociais associados ao sistema educacional.
As fake news no sistema educacional podem ter diversos impactos negativos. Elas podem distorcer a compreensão dos estudantes sobre eventos históricos, teorias científicas e conceitos culturais, levando a uma educação baseada em informações incorretas. Além disso, as fake news podem reforçar preconceitos, reduzir a confiança nas fontes de informação legítimas e prejudicar a capacidade dos estudantes de discernir informações verdadeiras das falsas. O cérebro pode tornar fake news em uma verdade absoluta incontestável devido à natureza da memória humana e da forma como processamos informações. A memória é seletiva e pode ser moldada pela repetição, crenças pré-estabelecidas e emoções. Isso significa que tendemos a lembrar mais facilmente informações que confirmam nossas crenças e emoções, e dessa forma a cultura pode está atrelada com esse processo. Trabalhos mostram que as pessoas tendem a acreditar em informações que confirmam suas crenças e emoções, mesmo que essas informações sejam falsas. Isso é conhecido como viés de confirmação e pode levar ao fortalecimento de falsas crenças e ao descarte de informações que as contradizem. Isso pode ser altamente prejudicial no processo de aprendizagem e desenvolvimento intelectual principalmente na fase inicial da educação entre crianças e adolescentes, visto que se encontram em um processo de formação de suas crenças e distinção emocional. É nesse período que ocorre o processo de poda neuronal, mecanismo que seleciona aquelas vias neurais que irão permanecer no nosso cérebro e as que irão ser degradadas, de acordo com as áreas cerebrais mais e menos estimuladas, fazendo com que ao longo do desenvolvimento surja a capacidade de pensar sobre o problema e determinar uma solução, assim como ela consegue distinguir o certo do errado além de atribuir moções a esse contexto. Além disso, é apenas na adolescência que inicia o processo de mielinização do córtex frontal, apenas se completando na vida adulta, fazendo com que durante esse período, o adolescente desenvolva de forma gradativa o pensamento crítico e autocontrole.
Dessa forma, é imprescindível estudar estratégias que impeçam esse efeito negativo da fake news sobre o processo educacional de crianças e adolescentes. Métodos como incorporação de informações emocionalmente neutras, exposição a diferentes pontos de vista e estímulo a pensamentos críticos podem ajudar a minimizar a influência das emoções na memorização de informações, além de enfraquecer o viés de confirmação, permitindo que os indivíduos considerem essas informações de maneira mais abrangente e crítica antes de aceitá-las como verdade. Assim, por exemplo, é importante realizar trabalhos futuros investigando possíveis alterações da atividade cerebral (EEG/NIRS) nesses contextos.
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