Estimulação Elétrica Transcraniana não invasiva com P300 reabilitação e engajamento cognitivo.

Friday, 19 de January de 2024

A Estimulação Cerebral é uma técnica amplamente utilizada na prática médica e de pesquisa científica que tem como base a reabilitação de alguma disfunção relacionada ao Sistema Nervoso Central. As principais técnicas de estimulação ou neuromodulação possuem potencial terapêutico e aplicações em neurociência cognitiva, neurofisiologia, psiquiatria e neurologia [1, 2]. As principais técnicas de neuromodulação não invasiva são ilustradas na imagem abaixo (Figura 1), sejam elas de origem magnética - como a Estimulação Magnética Transcraniana (TMS) -,  ou elétrica.



Figura 1 - Mapa conceitual ilustrando as principais técnicas de neuromodulação não invasivas utilizadas atualmente.

O desenvolvimento das principais técnicas atuais de neuromodulação a partir de corrente elétrica teve como base outro tipo de estimulação não invasiva bastante conhecida: a eletroconvulsoterapia (ECT). Apesar de não ser amplamente aceita, a ECT ainda é indicada para o tratamento de transtornos psiquiátricos severos em pacientes resistentes ao tratamento comum. Diferente da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC), que utiliza uma corrente máxima de 2 miliampère, a ECT utiliza correntes extremamente altas de aproximadamente 800 Miliampère [3].
 
Para contextualizá-los com relação às principais técnicas de neuromodulação, iremos descrever o funcionamento dos principais tipos ilustrados na Figura 1.
 
  • Estimulação Magnética Transcraniana (ou TMS, do inglês): técnica baseada na estimulação direta dos neurônios a partir da aproximação de uma bobina do couro cabeludo (Figura 2). O funcionamento físico da TMS é baseada nas bases eletromagnéticas, de modo que uma corrente elétrica de alta densidade perpassa uma bobina (Figura 2A) em um sentido determinado. O sentido da corrente na bobina gera um campo magnético orientado que é capaz de despolarizar diretamente neurônios localizados logo abaixo da região em que a bobina está localizada. Na Figura 2B podemos observar a região de estimulação (em vermelho) da TMS.
 
  • Estimulação Elétrica Transcraniana: tem como base a estimulação elétrica de baixa amperagem a partir de eletrodos positivos e negativos localizados no escalpo. Neste tipo de neuromodulação podemos utilizar de diferentes propriedades elétrica, como no sistema NeuroMod (Figura 3).

Figura 3 - Diferentes tipos de estimulação elétrica transcraniana baseado nas propriedades elétricas. Na imagem podemos observar a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) e Estimulação Transcraniana por Corrente Alternada (ETCA), Estimulação Transcraniana por Ruído Aleatório (ETRA) e Estimulação baseada em Potenciais Relacionado a Evento (ERP, do inglês).

Uma modalidade de estimulação em ascensão atualmente é a baseada em ERP’s (em vermelho na Figura 3). Os ERP’s podem ser definidos como potenciais medidos a partir da resposta cerebral a um estímulo sensorial ou evento motor [4-6]. Os ERP’s são potenciais com determinadas propriedades como amplitude, latência e polaridade (Figura 4). A amplitude está relacionada ao valor unitário do no eixo y, a latência é definida como o valor no eixo x em que a amplitude ocorre, enquanto a polaridade é definida como o sentido positivo ou negativo da onda.


Um fundamento básico dos ERP’s é a assertiva que eles ocorrem com base no engajamento e relevância. Isto é, a melhor maneira de observar um ERP cognitivo (geralmente a partir de 150ms) é a partir de um paradigma que torne o estímulo relevante e inusitado. Uma maneira de realizar isto é a partir do Paradigma Oddball.
 
O ERP mais estudado é o P3, ou P300. Relacionado com aquisição de memória, atenção, tomada de decisão e engajamento, o P300 tem chamado bastante atenção uma vez que este ERP possui respostas de amplitude e latência diferenciados para diversos transtornos, como autismo [7-9], esquizofrenia [10-12] , doença bipolar [13,14], e outros diversos transtornos. Baseado nas potencialidades do P300 como possíveis biomarcadores para diversos transtornos psiquiátricos, na sua natureza (com relação ao engajamento e relevância) e nas tecnologias de estimulação transcraniana não invasiva, surge uma nova maneira de reabilitação cognitiva: estimular o indivíduo com o padrão de onda elétrica referente ao próprio P300 de um indivíduo.
 
Um sistema possível para realização da estimulação elétrica com P300 é o NeuroMod tXES. Um sistema desenvolvido pela Santa Fe Neuroscience. Com este sistema é possível realizar diversos tipos de estimulação elétrica transcraniana não invasiva (Figura 3) e também realizar a estimulação cerebral com o P300 do próprio indivíduo (Figura 5). Esta nova metodologia pode revolucionar a maneira com que tratamos transtornos mentais, uma vez que utilizamos o próprio valor do P300 do indivíduo para devolvê-lo como forma de estimulação elétrica não invasiva.


Figura 5 - A. Touca do sistema NeuroMod tXES para estimulação. A touca facilita o posicionamento dos eletrodos de alta definição nas regiões-alvo do escalpo. B. Sistema de Estimulação desenvolvido pela Santa Fe Neuroscience. C. Esquema de eletrodos de registro e estimulação em conjunto. Este sistema de eletrodos foi desenvolvido com compatibilidade para os eletrodos desenvolvidos pela Brain Products. Com isto, é possível registrar o sinal cerebral de um indivíduo e ao mesmo tempo estimulá-lo (é necessário uma etapa offline de filtragem do sinal para remover o efeito da estimulação elétrica no registro eletroencefalográfico).



Referências

[1] - Wagner, T., Valero-Cabre, A., & Pascual-Leone, A. (2007). Noninvasive human brain stimulation. Annu. Rev. Biomed. Eng., 9, 527-565.

[2] - Dayan, E., Censor, N., Buch, E. R., Sandrini, M., & Cohen, L. G. (2013). Noninvasive brain stimulation: from physiology to network dynamics and back. Nature neuroscience, 16(7), 838.

[3] - Lisanby, S. H. (2007). Electroconvulsive therapy for depression. New England Journal of Medicine, 357(19), 1939-1945.

[4] - Squires, K. C., Wickens, C., Squires, N. K., & Donchin, E. (1976). The effect of stimulus sequence on the waveform of the cortical event-related potential. Science, 193(4258), 1142-1146.

[5] - Patel, S. H., & Azzam, P. N. (2005). Characterization of N200 and P300: selected studies of the event-related potential. International journal of medical sciences, 2(4), 147.

[6] - Kok, A. (1997). Event-related-potential (ERP) reflections of mental resources: a review and synthesis. Biological psychology, 45(1-3), 19-56.

[7] - Courchesne, E., Kilman, B. A., Galambos, R., & Lincoln, A. J. (1984). Autism: processing of novel auditory information assessed by event-related brain potentials. Electroencephalography and Clinical Neurophysiology/Evoked Potentials Section, 59(3), 238-248.

[8] - Gunji, A., Goto, T., Kita, Y., Sakuma, R., Kokubo, N., Koike, T., ... & Inagaki, M. (2013). Facial identity recognition in children with autism spectrum disorders revealed by P300 analysis: a preliminary study. Brain and Development, 35(4), 293-298.

[9] - Niwa, S. I., Ohta, M., & Yamazaki, K. (1983). P300 and stimulus evaluation process in autistic subjects. Journal of Autism and Developmental Disorders, 13(1), 33-42.

[10] - Jeon, Y. W., & Polich, J. (2003). Meta‐analysis of P300 and schizophrenia: Patients, paradigms, and practical implications. Psychophysiology, 40(5), 684-701.

[11] - Ford, J. M. (1999). Schizophrenia: the broken P300 and beyond. Psychophysiology, 36(6), 667-682.

[12] - Turetsky, B. I., Dress, E. M., Braff, D. L., Calkins, M. E., Green, M. F., Greenwood, T. A., ... & Radant, A. D. (2015). The utility of P300 as a schizophrenia endophenotype and predictive biomarker: clinical and socio-demographic modulators in COGS-2. Schizophrenia research, 163(1-3), 53-62.

[13] - Chun, J., Karam, Z. N., Marzinzik, F., Kamali, M., O'Donnell, L., Tso, I. F., ... & Deldin, P. J. (2013). Can P300 distinguish among schizophrenia, schizoaffective and bipolar I disorders? An ERP study of response inhibition. Schizophrenia research, 151(1-3), 175-184.

[14] - Ethridge, L. E., Hamm, J. P., Pearlson, G. D., Tamminga, C. A., Sweeney, J. A., Keshavan, M. S., & Clementz, B. A. (2015). Event-related potential and time-frequency endophenotypes for schizophrenia and psychotic bipolar disorder. Biological psychiatry, 77(2), 127-136.



The content published here is the exclusive responsibility of the authors.

Autor: Lucas Galdino Bandeira dos Santos
#eegerpbci #nirsbcineurofeedback #neuroscience #brainstimulation #neurophilosophy