A epilepsia é uma condição neurológica caracterizada por convulsões recorrentes. Embora a causa exata da epilepsia ainda não seja totalmente compreendida, a disfunção sináptica é considerada um dos principais fatores que contribuem para o desenvolvimento de convulsões. Existem algumas evidências de que as sinapses elétricas podem estar envolvidas na patogênese da epilepsia. Nesse contexto aqui vamos discutir um pouco a neurofisiologia por trás da epilepsia e como a sinapse elétrica pode participar desse processo.
A epilepsia é uma doença caracterizada pela ocorrência de crises que envolvem intensas descargas elétricas no encéfalo que pode levar a convulsões. As convulsões são causadas por um aumento excessivo da atividade elétrica no cérebro, que pode resultar em uma variedade de sintomas, incluindo contrações musculares, perda de consciência e perturbações sensoriais. O cérebro normalmente tem um sistema complexo de controle da atividade elétrica, mas em pessoas com epilepsia, esses mecanismos de controle não funcionam adequadamente. Uma das principais teorias sobre a neurofisiologia da epilepsia é a hipótese da "hiperexcitabilidade neuronal". Isso sugere que as convulsões são causadas por um desequilíbrio entre a excitabilidade e a inibição neuronal no cérebro. Existem várias alterações neuroquímicas e neuroanatômicas que podem contribuir para esse desequilíbrio, incluindo a diminuição dos níveis de neurotransmissores inibitórios, como o ácido gama-aminobutírico (GABA), e o aumento da atividade de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato. Além disso, estudos utilizando ressonância magnética funcional (fMRI) têm demonstrado uma maior conectividade funcional em algumas áreas do cérebro em pessoas com epilepsia, sugerindo uma maior sincronização neuronal.
Como vimos, distúrbios envolvendo as sinapses podem ser as principais causas da epilepsia. As sinapses são responsáveis pelo processamento e transmissão da informação através potenciais de ação (informação elétrica) e é convertida em informação química através da liberação dos neurotransmissores. Há dois tipos de sinapses: química e elétrica. No contexto da epilepsia, apesar da importância das sinapses químicas, também se destacam as sinapses elétricas, também conhecidas como junções comunicantes, que são responsáveis pela transmissão de sinais elétricos entre células adjacentes. Este tipo de junção possui complexos protéicos que formam canais iônicos através d e suas membranas, os “Conexons” compostos por proteínas chamadas conexinas (imagem abaixo). Esse tipo de comunicação entre células não há intermediários químicos, fazendo que ela seja ultrarrápida com duração de apenas centésimos de milissegundo, o que permite que uma população neuronal dispare em alta sincronia. As sinapses elétricas são encontradas em muitos tipos de células, incluindo células nervosas, células cardíacas e células musculares.
Adaptada de: Val-da Silva, 2010
Existem algumas evidências de que as sinapses elétricas podem estar envolvidas na patogênese da epilepsia. Estudos recentes mostraram que a comunicação elétrica entre células cerebrais pode contribuir para a sincronização excessiva de atividade neuronal que ocorre durante as convulsões epileptiformes. Trabalhos realizados com EEG observaram oscilações de alta frequência (> 100Hz) que refletem uma sincronização de tempo curto da atividade elétrica neuronal. Outros estudos mostram que a ativação neuronal via junção comunicante poderia gerar as oscilações de alta frequência que precedem e/ou iniciam crises epilépticas, também demonstrando que a expressão das conexinas foi observada em áreas de foco epiléptico após crises induzidas em ratos. Além disso, evidências demonstraram que bloqueadores de junções comunicantes podem ter efeitos antiepilépticos. Por exemplo, o tratamento com o bloqueador de junções comunicantes carbenoxolona reduziu a frequência e a duração das convulsões em modelos animais de epilepsia. Bloqueadores de sinapses elétricas no hipocampo (uma região do cérebro frequentemente envolvida na epilepsia) também reduziram a excitabilidade neuronal dessa área e, portanto, tiveram efeitos antiepilépticos. Outro fator importante que pode demonstrar essa relação entre as sinapses elétricas e a epilepsia é a neuroinflamação. A inflamação cerebral pode contribuir para a excitabilidade neuronal por meio da ativação de células imunológicas e da liberação de substâncias pró-inflamatórias, como citocinas e quimiocinas. A inflamação pode afetar a permeabilidade das junções comunicantes, resultando em modificações na transferência de íons e na alteração da comunicação elétrica entre neurônios. Um exemplo de inflamação que pode afetar as sinapses elétricas é a encefalite viral. A encefalite viral é uma doença inflamatória do sistema nervoso que pode levar a convulsões e danos cerebrais, podendo resultar em crises epilépticas.
Em resumo, a comunicação elétrica entre células cerebrais pode desempenhar um papel importante na patogênese da epilepsia. Embora ainda haja muito a ser descoberto sobre a relação entre as sinapses elétricas e a epilepsia, esses estudos recentes sugerem que os bloqueadores de junções comunicantes podem ser uma opção promissora para o tratamento da epilepsia. Porém, é muito importante que trabalhos futuros investiguem as repercussões desses bloqueadores no perfil eletrofisiológico e relacionando os resultados com os achados bioquímicos, no intuito de conhecer melhor esse mecanismo e consequentemente potencializar as alternativas terapêuticas.
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