A epigenética é um campo da biologia que tem desvendado os mecanismos pelos quais fatores ambientais podem influenciar a expressão gênica e, consequentemente, impactar a saúde e o comportamento humano. Entre esses fatores, o estresse emerge como um elemento significativo que pode remodelar os padrões epigenéticos e afetar a tomada de decisão de indivíduos. Aqui, vamos discutir como o estresse e a epigenética podem modular o comportamento e tomada de decisão.
O estresse é uma resposta adaptativa do organismo a situações desafiadoras. No entanto, quando se torna crônico ou excessivo, pode levar a impactos negativos na saúde física e mental. Pesquisas recentes têm demonstrado que o estresse crônico pode levar a alterações estruturais e funcionais no cérebro, especialmente nas regiões associadas ao processamento do estresse e à formação de hábitos, o que pode refletir também em nossas tomadas de decisão. Um estudo mostrou que o estresse crônico está associado ao aumento do volume da amígdala, o que pode levar a respostas emocionais mais intensas e prolongadas. Além disso, o estresse crônico pode levar a mudanças na conectividade funcional entre a amígdala e o córtex pré-frontal, resultando em uma maior ativação da amígdala e uma menor capacidade de regulação emocional pelo córtex pré-frontal. Durante períodos de estresse, é comum recorrermos a comportamentos habituais como forma de aliviar a tensão emocional. Esses comportamentos podem variar desde hábitos saudáveis, como fazer exercícios físicos, até hábitos prejudiciais, como fumar ou comer compulsivamente. Esses tipos de alterações e repercussões comportamentais ocasionadas pelo estresse também podem ser explicadas por mecanismos epigenéticos.
Pesquisas têm indicado que o estresse crônico está associado com alterações epigenéticas em genes relacionados à regulação de neurotransmissores e outras vias neurais envolvidas na tomada de decisão. Essas modificações epigenéticas podem influenciar a forma como o cérebro processa informações, avalia riscos e recompensas, e controla impulsos. Portanto, o estresse crônico pode prejudicar a capacidade de tomar decisões ponderadas e adequadas, levando a escolhas impulsivas ou de curto prazo, em vez de decisões baseadas em objetivos de longo prazo. Vários estudos têm fornecido insights sobre como o estresse afeta a epigenética e a tomada de decisão. Por exemplo, um trabalho observou que o estresse crônico em roedores levou a mudanças epigenéticas no cérebro que estavam associadas a comportamentos de risco e escolhas impulsivas. Além disso, outros estudos demonstraram que exposições ao estresse e exposição a estimulantes (como cocaína) compartilham semelhanças nas maneiras pelas quais regulam o epigenoma do estriado dorsal (que possui conectividade por meio de vias dopaminérgicas com circuitos relacionados à recompensa e ao humor, figura abaixo) através da metilação do DNA, da atividade de elementos transponíveis e das modificações pós-traducionais de histonas.
Fonte: Murphy et. al, 2022.
Nesse contexto, à medida que a exposição ao estresse ou a estímulos externos se torna crônica, as cópias genômicas relacionadas a modificações de histonas permanecem e podem perturbar permanentemente o genoma, podendo alterar a expressão genética (imagem abaixo). Ainda relacionado a essas alterações, outros estudos realizados em humanos têm explorado como experiências de estresse na infância podem deixar marcas epigenéticas duradouras que afetam o processamento emocional e a tomada de decisão na vida adulta. É importante mencionar que a epigenética não determina um destino fixo, em vez disso, ela revela uma interação dinâmica entre genes e ambiente. Isso significa que as escolhas individuais, como adotar estratégias de manejo de estresse saudáveis e procurar ambientes menos estressantes, podem influenciar a expressão gênica e mitigar os efeitos adversos das modificações epigenéticas induzidas pelo estresse.
Fonte: Murphy et. al, 2022.
A interseção entre epigenética, estresse e tomada de decisão oferece uma visão fascinante das complexas conexões entre o ambiente e a biologia humana. Compreender como o estresse molda as modificações epigenéticas que afetam a tomada de decisão pode não apenas fornecer insights científicos valiosos, mas também abrir portas para estratégias de intervenção direcionadas a melhorar a resiliência emocional e a capacidade de tomar decisões informadas. Para isso, é imprescindível a realização de novos trabalhos que investiguem como a atividade cerebral (EEG/NIRS) se comporta após essas modificações epigenéticas e comportamentais decorrentes do estresse.
Referências:
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