Como o estresse e a epigenética podem modular o comportamento e tomada de decisão?

Tuesday, 29 de August de 2023
   
      A epigenética é um campo da biologia que tem desvendado os mecanismos pelos quais fatores ambientais podem influenciar a expressão gênica e, consequentemente, impactar a saúde e o comportamento humano. Entre esses fatores, o estresse emerge como um elemento significativo que pode remodelar os padrões epigenéticos e afetar a tomada de decisão de indivíduos. Aqui, vamos discutir como o estresse e a epigenética podem modular o comportamento e tomada de decisão.

     O estresse é uma resposta adaptativa do organismo a situações desafiadoras. No entanto, quando se torna crônico ou excessivo, pode levar a impactos negativos na saúde física e mental. Pesquisas recentes têm demonstrado que o estresse crônico pode levar a alterações estruturais e funcionais no cérebro, especialmente nas regiões associadas ao processamento do estresse e à formação de hábitos, o que pode refletir também em nossas tomadas de decisão. Um estudo mostrou que o estresse crônico está associado ao aumento do volume da amígdala, o que pode levar a respostas emocionais mais intensas e prolongadas. Além disso, o estresse crônico pode levar a mudanças na conectividade funcional entre a amígdala e o córtex pré-frontal, resultando em uma maior ativação da amígdala e uma menor capacidade de regulação emocional pelo córtex pré-frontal. Durante períodos de estresse, é comum recorrermos a comportamentos habituais como forma de aliviar a tensão emocional. Esses comportamentos podem variar desde hábitos saudáveis, como fazer exercícios físicos, até hábitos prejudiciais, como fumar ou comer compulsivamente. Esses tipos de alterações e repercussões comportamentais ocasionadas pelo estresse também podem ser explicadas por mecanismos epigenéticos.
 
     Pesquisas têm indicado que o estresse crônico está associado com alterações epigenéticas em genes relacionados à regulação de neurotransmissores e outras vias neurais envolvidas na tomada de decisão. Essas modificações epigenéticas podem influenciar a forma como o cérebro processa informações, avalia riscos e recompensas, e controla impulsos. Portanto, o estresse crônico pode prejudicar a capacidade de tomar decisões ponderadas e adequadas, levando a escolhas impulsivas ou de curto prazo, em vez de decisões baseadas em objetivos de longo prazo. Vários estudos têm fornecido insights sobre como o estresse afeta a epigenética e a tomada de decisão. Por exemplo, um trabalho observou que o estresse crônico em roedores levou a mudanças epigenéticas no cérebro que estavam associadas a comportamentos de risco e escolhas impulsivas. Além disso, outros estudos demonstraram que exposições ao estresse e exposição a estimulantes (como cocaína) compartilham semelhanças nas maneiras pelas quais regulam o epigenoma do estriado dorsal (que possui conectividade por meio de vias dopaminérgicas com circuitos relacionados à recompensa e ao humor, figura abaixo) através da metilação do DNA, da atividade de elementos transponíveis e das modificações pós-traducionais de histonas.
 
Fonte: Murphy et. al, 2022. 
 
      Nesse contexto, à medida que a exposição ao estresse ou a estímulos externos se torna crônica, as cópias genômicas relacionadas a modificações de histonas permanecem e podem perturbar permanentemente o genoma, podendo alterar a expressão genética (imagem abaixo). Ainda relacionado a essas alterações,  outros estudos realizados em humanos têm explorado como experiências de estresse na infância podem deixar marcas epigenéticas duradouras que afetam o processamento emocional e a tomada de decisão na vida adulta. É importante mencionar que a epigenética não determina um destino fixo, em vez disso, ela revela uma interação dinâmica entre genes e ambiente. Isso significa que as escolhas individuais, como adotar estratégias de manejo de estresse saudáveis e procurar ambientes menos estressantes, podem influenciar a expressão gênica e mitigar os efeitos adversos das modificações epigenéticas induzidas pelo estresse.

Fonte: Murphy et. al, 2022.


     A interseção entre epigenética, estresse e tomada de decisão oferece uma visão fascinante das complexas conexões entre o ambiente e a biologia humana. Compreender como o estresse molda as modificações epigenéticas que afetam a tomada de decisão pode não apenas fornecer insights científicos valiosos, mas também abrir portas para estratégias de intervenção direcionadas a melhorar a resiliência emocional e a capacidade de tomar decisões informadas. Para isso, é imprescindível a realização de novos trabalhos que investiguem como a atividade cerebral (EEG/NIRS) se comporta após essas modificações epigenéticas e comportamentais decorrentes do estresse. 


 

Referências:

Murphy, Michael D., and Elizabeth A. Heller. "Convergent actions of stress and stimulants via epigenetic regulation of neural circuitry." Trends in Neurosciences 45.12 (2022): 955-967.
 
Jia, N., Yang, W., Chen, P., & Wang, S. (2020). Epigenetic regulation in the pathophysiology of stress-related disorders. Frontiers in Neuroscience, 14, 174.
 
Radzishevsky, I., Koushyk, V., Goshen, I., & Yadid, G. (2020). Epigenetic editing of Homer1a in the nucleus accumbens shell attenuates excessive alcohol drinking. Neuropsychopharmacology, 45(13), 2211-2218.
 
chwabe, L., Höffken, O., & Wolf, O. T. (2020). Stress disrupts the balance between goal-directed and habit systems. Journal of Neuroscience, 40(39), 7565-7572.
 
Radley, J. J., Kabbaj, M., Jacobson, L., Heydendael, W., Yehuda, R., & Herman, J. P. (2011). Stress risk factors and stress-related pathology: Neuroplasticity, epigenetics and endophenotypes. Stress, 14(5), 481-497.
 
Vialou, V., Feng, J., Robison, A. J., Nestler, E. J., 2013. Epigenetic mechanisms of depression and antidepressant action. Annual Review of Pharmacology and Toxicology, 53, 59-87.
 
Bagot, R. C., Labonté, B., Peña, C. J., & Nestler, E. J. (2014). Epigenetic signaling in psychiatric disorders: Stress and depression. Dialogues in Clinical Neuroscience, 16(3), 281-295.
 

The content published here is the exclusive responsibility of the authors.

Autor:

Rodrigo Oliveira

#metabolismneurotransmission #brainstates #brain #brainstates #brainresearch