Para a maioria das coisas novas que fazemos na vida, inicialmente temos um desgaste físico e/ou cognitivo até nos adaptarmos aquela determinada situação e começamos a reproduzir um comportamento que nos traga mais vantagens naquela atividade. Dessa forma, acabamos entrando em um certo automatismo através do hábito de reproduções comportamentais. Esse automatismo relacionado aos hábitos é um mecanismo psicológico que permite a realização de ações de forma automática, sem a necessidade de um esforço consciente ou uma análise detalhada. Os hábitos são comportamentos adquiridos através da repetição e se tornam parte integrante de nossa rotina diária. Embora os hábitos possam trazer eficiência e praticidade à nossa vida, é importante compreender o impacto que eles podem ter em nossa capacidade de autocrítica. Aqui vamos discutir um pouco sobre essa relação entre automatismo e autocrítica e como isso pode impactar nossa vida de forma pessoal e social.
Os hábitos podem influenciar a forma como tomamos decisões e nos impedir de refletir criticamente sobre nossas ações. Quando uma ação se torna automática, tendemos a executá-la sem considerar as possíveis consequências ou alternativas. Isso pode levar a uma falta de autocrítica, pois deixamos de questionar nossas escolhas e comportamentos. Esses hábitos estabelecidos ao longo do tempo podem criar uma resistência à mudança. Mesmo quando reconhecemos que um hábito não é benéfico ou não está de acordo com nossos valores, pode ser difícil abandoná-lo devido à sua automatização. Isso tem total relação com a crença de cada indivíduo/sociedade, visto que existe uma dificuldade de mudança ou aceitação de ideais que vão de encontro com essa crença específica, por mais que seja um atitude maléfica e incoerente, não dando espaço para a razão.
Essa resistência também pode dificultar a autocrítica, pois nos impede de avaliar e questionar nossos comportamentos errados ou certos dentro do seu meio social. O automatismo dos hábitos pode levar à execução de ações sem uma reflexão consciente adequada. Quando nos acostumamos a agir automaticamente, podemos perder a oportunidade de avaliar nossas ações à luz de nossos valores, objetivos e princípios morais. A falta de reflexão consciente pode limitar nossa capacidade de autocrítica e nos impedir de identificar comportamentos inadequados ou prejudiciais. No cérebro, à medida que repetimos o mesmo fazer ou ação, a ativação neuronal aumenta no circuito cerebral sensório-motor. Esse circuito sensório-motor contacta-se com partes diferentes do gânglio basal, o putâmen e partes do mesencéfalo, reforçando os hábitos, repetições, automatismos, crenças e fé. Além disso, áreas relacionadas com o sistema de recompensa, como o córtex pré-frontal e núcleo accumbens também podem ser recrutadas, visto que o automatismo pode ser visto fisiologicamente como uma forma de “economia de energia” podendo estar associado a baixa carga cognitiva.
Embora os hábitos automáticos possam trazer eficiência e praticidade à nossa vida, é importante reconhecer seu impacto na capacidade de autocrítica e encontrar alternativas que facilitem esse processo. A prática do mindfulness, por exemplo, pode ser uma estratégia eficaz para contrabalancear o automatismo dos hábitos e promover a autocrítica. o mindfulness ou atenção plena é uma técnica de meditação que auxilia a trazer a nossa consciência ao momento presente, através de técnicas de respiração. Muitos estudos relatam que a utilização da técnica diminui os picos de cortisol, o hormônio do estresse, inclusive a longo prazo. Alguns deles mostram isso através da utilização do mindfulness como recurso terapêutico para depressão e ansiedade. Além disso, estudos com eletroencefalografia (EEG) associam o mindfulness à criação de ritmos cerebrais específicos envolvidos na percepção metacognitiva. A metacognição está relacionada à consciência e ao automonitoramento do ato de aprender, é a aprendizagem sobre o processo da aprendizagem ou a apropriação e comando dos recursos internos se relacionando com os objetos externos. Dessa forma, o mindfulness nos permite observar nossos pensamentos, emoções e comportamentos de forma imparcial, o que nos possibilita avaliar criticamente nossos hábitos e identificar áreas em que podemos melhorar através da aprendizagem. Também, podemos utilizar a autocrítica como uma ferramenta para selecionar hábitos não prejudiciais. Trabalhos mostram que bons hábitos fornecem condições para a saúde cerebral ideal, agindo como uma “vacina mental” que aumenta a resiliência do cérebro aos desafios que possuem efeitos nocivos à saúde do cérebro.Em outras palavras, podemos aprender, e utilizar nossa autocrítica sobre essa aprendizagem constantemente levando em consideração a razão desprendida de crenças enviesadas. Sabendo de tudo isso, é imprescindível que novos trabalhos investiguem como o mindfulness atua sobre a atividade cerebral relacionada a autocrítica associada ou não a hábitos comportamentais da vida diária. Ao compreender como os hábitos podem influenciar nossas decisões, resistir à mudança, limitar a reflexão consciente e buscar práticas de consciência plena, podemos desenvolver uma maior capacidade de autocrítica e, assim, promover um crescimento pessoal e aprimoramento contínuo.
Referência bibliográfica:
Saleh Al Rasheed, Loul, and Ali Abdelnabbi Mohamed Hanafy. "Effects of brain-based instruction on executive function and habits of mind among young children at-risk for learning disabilities." Applied Neuropsychology: Child (2023): 1-8.
Ekman, Rolf, et al. "A Flourishing Brain in the 21st Century: A Scoping Review of the Impact of Developing Good Habits for Mind, Brain, Well‐Being, and Learning." Mind, Brain, and Education 16.1 (2022): 13-23.
Jankowski, Melissa S. An experimental investigation into the effects of trait and state self-criticism on the benefits and barriers to non-suicidal self-injury. The University of Maine, 2022.
Bulzacka E, et al. Mindful neuropsychology: repenser la réhabilitation neuropsychologique à travers la pleine conscience. Encéphale (2017).
Chételat, G., Lutz, A., Arenaza-Urquijo, E., Collette, F., Klimecki, O., & Marchant, N. (2018). Why could meditation practice help promote mental health and well-being in aging?. Alzheimer's research & therapy, 10(1), 57.
Wood, W., Quinn, J. M., & Kashy, D. A. (2002). Habits in everyday life: Thought, emotion, and action. Journal of Personality and Social Psychology, 83(6), 1281-1297.
Verplanken, B., & Aarts, H. (1999). Habit, attitude, and planned behaviour: Is habit an empty construct or an interesting case of goal-directed automaticity? European Review of Social Psychology, 10(1), 101-134.
Lally, P., van Jaarsveld, C. H., Potts, H. W., & Wardle, J. (2010). How are habits formed: Modelling habit formation in the real world. European Journal of Social Psychology, 40(6), 998-1009.
Brown, K. W., & Ryan, R. M. (2003). The benefits of being present: Mindfulness and its role in psychological well-being. Journal of Personality and Social Psychology, 84(4), 822-848.
The content published here is the exclusive responsibility of the authors.