CANNABIS E NEUROCIÊNCIA. Discussão científica ou política?

Monday, 19 de December de 2022
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A famosa maconha vem protagonizando cada vez com mais intensidade diversos episódios polêmicos que permeiam o mundo com debates e discussões envolvendo sua legalização e suas propriedades terapêuticas, assim como as entorpecentes. Tais questionamentos tentam argumentar de que maneira a planta afeta a saúde ou a própria indústria farmacêutica (assim como muitas outras indústrias), sendo alvo de diversas divergências não meramente científicas, mas também políticas.

                                                

O QUE É MACONHA?
A cannabis sativa, de onde a maconha é extraída é uma planta herbácea da família das  Canabiáceas e possui seu primeiro registro aproximadamente no ano 27.000 a.C. Teve origem no Afeganistão e na Índia com intuitos e objetivos religiosos (na mitologia Hindú por exemplo, este seria o alimento preferido de Shiva, portanto consumí-la significaria aproximação á divindade). Posteriormente a mesma seria utilizada de forma medicinal assim como para fabricação de tecidos e papéis (por exemplo, a Bíblia de Gutemberg, a primeira Bíblia impressa, foi feita com papel de cânhamo).  

Esta planta contém em suas flores e folhas uma resina com aproximadamente 60 componentes terpenofenólicos (terpenos são compostos aromáticos e os fenólicos são potentes antioxidantes), que são os famosos chamados canabinóides. Os mais conhecidos e abundantes são o CBD (canabidiol) e o THC (Δ9-tetrahidrocanabinol), ambos interagem com o sistema endocanabinóide, que é um sistema sinalizador vital responsável por regular uma variedade de funções tais como dor, memória, humor e resposta imunológica, entre outras muitas. No entanto estes dois canabinóides desencadeiam efeitos no cérebro BEM diferentes.

A ação desses canabinoides desde um ponto de vista fisiológico é muito parecida com os canabinóides endógenos, sim, aqueles produzidos pelo próprio corpo, também chamados de endocanabinóides e que se ligam a receptores cerebrais específicos, desencadeando diferentes reações. Dentre eles o mais estudado é a anandamida (apenas como curiosidade, este nome vem da palavra sânscrita ananda, que significa alegria ou prazer + amida, um composto nitrogenado).

 



CANNABIS E NEUROCIENCIA

Estudos realizados com neuroimagem estrutural, apontam que o THC é bastante lipossolúvel, o que permite que esta substância penetre com facilidade a barreira hemato-encefálica, se comportando como agonista dos receptores CB2 (abundante nas células imunes) e CB1. O CB1 é um receptor abundante no sistema nervoso central, em especial nos núcleos da base, na parte reticulada da substância nigra e nos segmentos internos e externos do globo pálido.

 
                                                              Sistema Nervoso Considerações Anatomoclínicas sobre a Medula e o Tronco  Encefálico
Elevadas concentrações também estão presentes no hipocampo e no cerebelo, o que irá proporcionar o efeito psicotomimético ou psicotrópico (vamos dizer que é o responsável por ser tão procurado para o uso recreativo, pois é o que te deixa “doidão”). O THC também é o responsável por te deixar faminto, além de te fazer questionar: “o que eu ia falar mesmo?”, pois ele prejudica sua memória a curto prazo, já que atua em áreas do hipocampo (estrutura considerada como a sede da memória), além de te fazer ter alterações na sensopercepção e coordenação. Ele, nas medidas indicadas, funcionaria como orexígeno (estimulante do apetite), ele também fornece energia e ativa conexões neuronais fomentando a criatividade, e atua no sistema de recompensa, ativando respostas placenteras. Também pode ser usado como antiinflamatório e antioxidante, além de acalmar dores difíceis de suportar. Porém, usado em excesso ele pode chegar a causar alucinações e paranoia.


O CBD, muito pelo contrário, irá se ligar a receptores como o GPR55 ou o 5-HT1A, e terá uma ação alostérica no receptor CB1, modulando os efeitos do THC.O CBD reduz a ansiedade, e tem propriedades altamente antipsicóticas além de te relaxar e deixar sonolento (oposto a aquele efeito mais ativo estimulante do THC). O CBD também irá reduzir o deterioro na memória que o THC fornece. Esta substância é a mais utilizada para as propriedades medicinais, pois também tem características anti inflamatórias, anti convulsivas, antidepressivas, alivia a ansiedade, além de frear o avanço de doenças neurodegenerativas e auxiliar no tratamento de esquizofrenia ou adições com outras substâncias recreativas como a cocaína.

                                    


E ENTÃO... AMIGA OU VILÃ?


Tanto o THC como o CBD portanto apresentam características promissoras para melhoria da saúde, porém se utilizadas indevidamente, podem prejudicar sim diversos estados cognitivos, deixando efeitos colaterais às vezes irreversíveis, o que muitos grupos alegam como perigoso para nossa sociedade e, que portanto deveria permanecer como substância ilícita, para não ter assim perigo algum de acarretar tais males.

Ambos canabinóides têm estruturas moleculares diferentes, e consequentemente como citado acima efeitos bem diferentes, então é muito importante ter isso em consideração quando se fala das propriedades da famosa maconha, pois as concentrações de cada substância na planta irão mudar drasticamente seus efeitos no indivíduo, o que torna de alta importância, segundo os grupos que defendem sua legalização, ter um conhecimento básico das propriedades de cada tipo de espécie caso a mesma fosse consumida (sativa, indica ou ruderalis), e cautela no consumo para não causar efeitos adversos aos desejados já que as reações podem variar muito de indivíduo para indivíduo, dado que a constituição cerebral e as necessidades de cada um de nós é muito diferente. 

Estes defendem que tal conhecimento somente chegará na população se a planta for legalizada, já que só dessa forma haverá uma regulamentação e uma posologia correta de cada produto derivado da planta que for comercializado, ao contrário do que acontece atualmente com o tráfico, além de aumentar e fomentar as pesquisas relacionadas a tal substância. 

Ainda com tudo, mesmo sendo lícita ou ilicitamente, continua a ser uma das substâncias mais consumidas ao redor do mundo, e carrega ainda consigo muitas questões a serem resolvidas ao respeito dos efeitos da planta que precisam ser resolvidas e estudadas com a propriedade necessária para selar tal discussão de maneira 100% objetiva. 

O que já é demonstrado é que outras substâncias consideradas com um enorme teor de periculosidade para a saúde como o tabaco ou produtos da indústria farmacêutica como metamizol (princípio ativo da dipirona que é proibido em outros países por causar agranulocitose) são considerados como lícitos no Brasil, então a proibição da cannabis é uma questão científica ou política?

 

Referências:


R.I. BlockR. FarinpourK. Braverman: Acute effects of marijuana on cognition: Relationships to chronic effects and smoking techniques
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O. MasonC.J.A. MorganS.K. DhimanA. PatelN. PartiA. Patelet al. Acute effects of marijuana on cognition: Relationships to chronic effects and smoking techniques
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C.J.A. MorganT.P. FreemanG.L. SchaferH.V. Curran: Cannabidiol attenuates the appetitive effects of Delta(9) tetrahydrocannabinol in humans smoking their chosen cannabis. 
Neuropsychopharmacology, 35 (2010), pp. 1879-1885


C.J.A. MorganE. RothwellO. MasonH.V. Curran: Hyper-priming in cannabis users: A naturalistic study of the effects of cannabis on semantic memory function 
Psychiatry Research, 176 (2010), pp. 213-218


GráinneSchafer, AmandaFeilding Celia J.A.MorganMariaAgathangelouaTom P.Freemana, H Valerie CurranaInvestigating the interaction between schizotypy, divergent thinking and cannabis use (2012).


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Autor:

Beatriz Carvalho Frota

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